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quarta-feira, 15 de novembro de 2017

A extração do pau-brasil


O pau-brasil, caesalpinia brasiliensis ou echinata, segundo a taxionomia botânica atual, ou simplesmente ibirapitanga, em tupi, teve importância extraordinária na história do Brasil. Seu comércio foi a principal atividade econômica dos portugueses na América até cerca de 1530, mas sua exploração continuou ativa durante todo o período colonial, figurando com destaque nas exportações brasileiras ainda na segunda metade do século XIX.

O pau-brasil antes do Brasil 


Desde a Idade Média, o pau-brasil era conhecido na Europa, sob outra variedade originária da Sumatra, no Oriente, em malaio, de sapang (do sânscrito patanga ou “vermelho”). Era usado  para tingir sedas e linhos usados pelos nobres do Oriente. Como tintura sua cor variava do marrom ao castanho-claro e, conforme a diluição e as misturas, podia resultar em tons de rosa, castanho e púrpura. Na Europa, os maiores consumidores do pau-de-tinta eram a França, onde era chamada de brezil, e a Itália que a denominava bracire ou brazili. Com o nome de brasil, a árvore já era conhecida em Portugal e Espanha por volta de 1220.

Tintureiros tingindo tecidos com pigmento extraído do pau-brasil. Iluminura francesa, séc. XVI

Cristóvão Colombo foi o primeiro a ver árvores de pau-brasil crescendo em meio às florestas do Caribe, e registrou sua existência na carta que enviou aos Reis Católicos, em 1495. Em sua terceira viagem à América, em 1498, Colombo recolheu 20 quintais (pouco mais de uma tonelada) da madeira nas matas do golfo de Pária, na Venezuela, e os levou para Sevilha. Em janeiro de 1500, o espanhol Vicente Pinzón carregou seus navios com 350 quintais (ou 21 toneladas) de pau-brasil, recolhidos nas praias do nordeste do Brasil, ou talvez na região de Pária, levando-os à Espanha.


A exploração do pau-brasil nas terras portuguesas 


O pau-brasil crescia em meio à Mata Atlântica, entre o Rio Grande do Norte e o Rio de Janeiro, concentrando-se nas costas que hoje correspondem ao Rio de Janeiro, sul da Bahia e Pernambuco. A própria expedição de Cabral parece ter embarcado alguma quantidade de toras de pau-brasil e quase todas as expedições de reconhecimento ou guarda-costas enviaram toneladas de pau-brasil para Portugal que seguiam daí para Amsterdam, onde o pó da madeira raspada era transformado em corante. Em 1501, a exploração de pau-brasil foi arrendada ao mercador Fernando de Noronha ou Loronha que, em 1504, foi agraciado com a donataria no arquipélago que traz hoje o seu nome. O contrato de arrendamento foi renovado até 1511, depois transferido a Jorge Lopes Bixorda. 

De 1513 em diante, permitiu-se a livre exploração mediante o pagamento do quinto (20%) ao rei. A exploração do pau-brasil foi feita num ritmo tão feroz que só no primeiro século de exploração, cerca de 2 milhões de árvores foram derrubadas – uma espantosa média de 20 mil por ano ou quase 50 por dia. Cada navio podia levar cerca de 5 mil toras por viagem. Não é de se estranhar, portanto, que já em 1558, as melhores árvores só pudessem ser encontradas a mais de 20 km da costa. 

Feitorias, “brasileiros” e regimentos 


O negócio do pau-brasil estimulou a fundação de feitorias em toda a costa brasílica. As feitorias eram simples galpões de madeira, cercado por uma paliçada de toras pontiagudas, tendo por mobília apenas arcas e caixotes e onde, ao longo do ano, ficavam apenas três ou quatro homens. Eles eram chamados de “brasileiros”. O nome dado a esses traficantes ou coletores de pau-brasil acabaria se estendendo a todos os nascidos no futuro país. 

Em 1519, havia três feitorias no Brasil: em Cabo Frio, Rio de Janeiro e Pernambuco. Provavelmente havia uma quarta, na baía de Todos os Santos. A exploração do pau-brasil e a disciplina dos “brasileiros” eram reguladas por normas rígidas estabelecidas pela Coroa lusitana. O primeiro desses regulamentos parece datar de 1511. Trata-se do famoso Livro da viagem e regimento da nau Bretoa, descoberto por Adolfo Varnhagen na Torre do Tombo, em Lisboa, em 1844. 

A Bretoa pertencia a um consórcio de mercadores formado por Fernando de Noronha, pelo banqueiro florentino Bartolomeu Marchioni, Benedeto Moreli e Francisco Martins. A tripulação do navio era constituída por 36 homens. De acordo com o regimento real, a missão da Bretoa era “obter a maior carga de pau-brasil de boa qualidade, com a menor despesa possível”. A nau partiu de Lisboa em fevereiro de 1511 e aportou em abril na baia de Todos os Santos onde permaneceu por 27 dias. Depois rumou para Cabo Frio onde se erguia a mais antiga feitoria do Brasil, fundada por Américo Vespúcio sete anos antes. 

Em agosto, a Bretoa zarpou do Brasil levando 5.008 toras de pau-brasil pesando cerca de 100 toneladas, além de mais de 60 animais entre eles 15 papagaios, 12 felinos e 6 macacos. O regimento da nau Bretoa incluía uma vasta lista de proibições impostas aos marujos como a proibição de ultrapassar os limites da feitoria, de adentrar a terra firme, de falar ou negociar com os índios, de pernoitar fora da nau, de praguejar etc. As normas rígidas e as punições severas aos infratores não conseguiram evitar o roubo de machados e machadinhas por tripulantes que foram usados para trocar por aves, penas e macacos com os índios. 

Piratas e corsários franceses 


Piratas e corsários agiam da mesma maneira: abordavam e pilhavam navios, praticavam violências contra tripulações, atacavam áreas costeiras saqueando e fazendo vítimas. Diferenciavam-se, porém, quanto à sua organização e mando. A pirataria era uma iniciativa autônoma, impulsionada por interesses materiais, sem qualquer consideração ética ou religiosa. O corsário, por sua vez, atuava dentro de uma certa “legalidade” munido de uma “carta de corso” concedida por reis e príncipes autorizando o ataque a áreas inimigas. As descobertas marítimas impulsionaram a pirataria do Mediterrâneo para o Atlântico. 

As costas do Brasil estavam muito mais próximas dos portos europeus do que a Índia ou Sumatra. Os franceses foram os primeiros a investirem conta o litoral do Brasil.

Em junho de 1503, Paulmier de Gonneville armou um navio de 120 toneladas, o L’Espoir, para saquear especiarias no mercado indiano. Impossibilitado de manter o rumo, arribou às costas do Brasil. Foi a primeira visita francesa ao Brasil, seguida de muitas outras.

O L’Espoir aportou no litoral norte de Santa Catarina onde permaneceu seis meses ancorado. Foi, contudo, na baía de Todos os Santos que ele abasteceu o navio com uma preciosa carga de pau-brasil. Ao retornar à Europa, o navio foi atacado primeiro por um pirata inglês e depois por um pirata bretão. Em maio de 1505, os poucos sobreviventes do L’Espoir chegaram a pé em Honfleur sem navio e sem carga.

Embora a viagem de Paulmier de Gonneville tenha sido um fracasso comercial, ela alertou definitivamente os franceses para a existência do Brasil. O rei francês Francisco I, contestando o Tratado de Tordesilhas que dividia a mundo entre Portugal e a Espanha, autorizou corsários a atacarem as terras lusas no Oriente e na América.

Em maio de 1527, corsários franceses chegaram a Pernambuco dispostos a carregar os navios com pau-brasil. Foram interceptados pela expedição guarda-costa de Cristóvão Jacques. O combate que se travou foi violento com dezenas de mortos e tamanha a crueldade com os prisioneiros que o rei de português destituiu Cristóvão Jacques e exigiu seu regresso imediato.

Mas os ataques de piratas e corsários continuaram. Em setembro de 1531, os portugueses capturaram próximo ao estreito de Gibraltar, no Mediterrâneo, a nau La Pelèrine que retornava do Brasil com o porão cheio de pau-brasil: 15 mil toras (300 toneladas), 3 mil peles de onça, 600 papagaios, 1,8 toneladas de algodão, além de óleos medicinais, pimenta, semente de algodão. Esta disputa luso-francesa teve desdobramentos nas relações entre europeus e indígenas, forjando-se e desfazendo-se alianças que os nativos souberam conduzir com habilidade, ao passo que os europeus em conflito se esforçaram para deles se aproximar.

A mão de obra indígena 


O papel dos índios foi fundamental no processo de exploração do pau-brasil, pois eram eles que derrubavam as árvores, cortavam as toras e as transportavam para os navios. Era trabalho árduo considerando-se o tamanho das árvores, a espessura dos troncos e seu peso. Os troncos, duríssimos, variando de 20 a 30 metros de altura, depois de cortados, eram transformados em toras de cerca de 1,5 metros que podiam pesar até 30 quilos cada uma. Jean de Léry descreveu o trabalho estafante dos índios nas lides do pau-brasil que carregavam nos ombros nus por duas a três léguas (de 13 a 20 quilômetros).


Em troca desse serviço, os nativos recebiam facas, espelhos, miçangas, tesouras, agulhas, foices e, decerto, machados de ferro para cortarem os troncos. A difusão do uso desses machados em substituição aos de pedra aumentou imensamente a produtividade do trabalho, reduzindo em mais de dez vezes o tempo para derrubada dos troncos. Daí entender que no século XVI mais de 2 milhões de árvores tenham sido derrubadas e reduzidas a toras.

Os índios, por sua vez, souberam aproveitar a tecnologia dos instrumentos europeus para benefício próprio, incluindo machados e facas de metal nas suas guerras e nas atividades de subsistência.

Fonte: Ensinar História


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