Para a humanidade, a machadinha de pedra lascada foi muito mais revolucionária que o iPhone. Temos a sensação de viver num mundo de inovações cada vez mais rápidas, mas a verdade é que estamos num período de seca criativa.
Se você acompanha ao menos de longe as novidades tecnológicas, é provável que tenha usado, nos últimos anos, um telefone celular capaz de acessar a internet, gravar vídeos e mostrar sua localização. Há grandes chances de você ter experimentado o Facebook, o Twitter e o YouTube. Mais recentemente, talvez tenha manipulado um tablet ou leitor de livros digitais. Essas invenções são todas úteis, divertidas e facilitam a vida. Mas você chamaria alguma delas de revolucionária? Compare-as com as façanhas tecnológicas esperadas desde o século passado, como colônias humanas em Marte e na Lua, missões tripuladas a Saturno, inteligência artificial, carros voadores acessíveis, androides que imitam humanos e expectativa de vida de 150 anos. Entre 1950 e 1968, essas conquistas foram imaginadas para o fim do século XX ou o início do século XXI por escritores de ficção científica e futurólogos como Arthur C. Clarke, Isaac Asimov, Ray Bradbury, Philip K. Dick, Herman Kahn ou Anthony Wiener. O ex-astronauta americano Edwin “Buzz” Aldrin resumiu bem a decepção com a tecnologia atual em novembro passado: “Eles me prometeram colônias em Marte, em vez disso eu tenho Facebook”.
Pode-se argumentar que a decepção manifestada por Aldrin se deve às previsões exageradas, e não às invenções atuais. Vale, então, compará-las a criações revolucionárias de períodos anteriores da história. Com poucos anos de intervalo, apareceram tecnologias como a caravela e a prensa (no século XV), a calculadora e a transfusão de sangue (século XVII), o telefone e a eletricidade residencial (século XIX), o avião a jato e a bomba atômica (século XX). Todas superam, em impacto, as invenções marcantes do século XXI – boa parte delas derivada do computador pessoal e da internet, duas crias do século passado. Com menos ironia e mais estatística do que Aldrin, pesquisadores começam a se perguntar: será que a humanidade sofre de uma crise criativa? O questionamento sobre a velocidade atual de inovação importa porque as inovações de ontem garantem o bem-estar de hoje. A humanidade vive mais e melhor, nossas crianças morrem menos, estudam mais e se alimentam melhor graças a períodos de inventividade que ocorreram décadas ou séculos atrás. Sem invenções de impacto, ficará mais difícil resolver problemas que ainda desafiam a humanidade, como mais de 1 bilhão de pessoas na pobreza, o aquecimento global ou a escassez de água potável.
Há alguns anos, alguns estudiosos começaram a apontar sinais de esfriamento da criatividade. Entre os mais pessimistas está o cientista social Robert Gordon, da Northwestern University, dos Estados Unidos. Ele diz que o período de ouro no aumento na expectativa de vida nos EUA ficou lá atrás, na primeira metade do século XX. Pudera: num período de menos de quatro décadas, surgiram o aquecimento residencial elétrico, o tratamento da água encanada com cloro, a insulina, a vacina contra a tuberculose e a penicilina. A expectativa de vida hoje sobe muito lentamente, porque não houve evolução parecida nas últimas décadas – e, na visão de Gordon, não há sinal de nada parecido no futuro.
Peter Thiel, criador do PayPal e investidor do Facebook, e Garry Kasparov, ex-campeão mundial de xadrez, lançarão em março o livro The blueprint: reviving innovation, rediscovering risk, and rescuing the free market (numa tradução livre, O projeto: revivendo a inovação, redescobrindo o risco e recuperando o livre mercado). Nele, os dois argumentam que o colapso econômico recente de países desenvolvidos não é meramente culpa da crise financeira mundial. A culpa, dizem, é da estagnação na tecnologia e na inovação. Segundo Thiel e Kasparov, é improvável haver algum crescimento sustentável na produtividade sem mudanças radicais na política de inovação. Num debate com Kenneth Rogoff, professor de economia da Universidade Harvard e economista-chefe do FMI de 2001 a 2003, Kasparov afirmou que produtos como o iPhone 5 pouco aprimoram nossas capacidades. E disse que as bases da ciência da computação moderna foram instaladas na década de 1970. “Nós queríamos carros voadores. Em vez disso, temos 140 caracteres”, diz Thiel, parafraseando Aldrin.
O economista Alexander Field, da Universidade Santa Clara, autor de A great leap forward: 1930s depression and U.S. economic growth (Um grande salto adiante: depressão dos anos 1930 e crescimento econômico dos EUA), se propôs a calcular algo parecido com a velocidade de inovação em diferentes períodos. Fez isso medindo quanto aumentou nos Estados Unidos, desde o século XIX, a eficiência no uso combinado de mão de obra, recursos naturais e dinheiro. Muitos fatores contribuem para que, num certo período, esses recursos limitados possam ser mais bem aproveitados e resultar em mais riqueza. Um fator fundamental é a inovação. Field concluiu que a produtividade cresceu nos EUA de forma bem veloz no fim do século XIX, na reta final da Revolução Industrial, quando o mundo era coberto por ferrovias, redes elétricas e cabos de telégrafo e telefonia. Depois, houve outro salto a partir de 1929. Ele marca o esforço americano de superação da Grande Depressão e da Segunda Guerra Mundial. A partir daí, veio a queda. “Nunca mais chegamos perto daquilo (o ritmo dos anos 30)”, diz Field. “Aceleramos entre 1995 e 2005, muito por causa do forte avanço da tecnologia da informação, mas, recentemente, não estamos retornando nem para essas taxas.” O economista Tyler Cowen, da Universidade George Mason, acredita que, a partir dos anos 1960, a inovação de produtos em geral se tornou mais lenta e passou a se concentrar em computadores e telecomunicações. “O resto da economia ficou bem estagnada”, afirma ele no livro The great stagnation (2011).
Esse tipo de análise, feito por americanos, tem muito a ver com a crise global que explodiu em 2008 e com a lenta recuperação dos Estados Unidos. Não se pode dizer, porém, que o problema esteja restrito aos americanos. Alguns países europeus reconhecidos pelo poder de inovação, como Alemanha ou Finlândia, não têm tamanho para compensar a desaceleração americana. A partir dos anos 1960, países asiáticos passaram a ocupar um lugar de destaque no cenário tecnológico global. O primeiro deles foi o Japão. Depois, veio a Coreia do Sul. Mais recentemente, emergiram a China e a Índia. Todos esses países são grandes fabricantes de equipamentos e produtores de software. O Japão entrou, porém, num período de seca criativa desde os anos 1980. A Coreia do Sul encanta o mundo com a qualidade e o design de seus carros e eletroeletrônicos, mas não tem porte para substituir os Estados Unidos. A China dispara pedidos de patentes como uma metralhadora – foram 526 mil pedidos em 2011, mais que os 503 mil dos EUA e os 342 mil do Japão. Entretanto, esse volume impressionante pouco significa. Não houve nenhuma invenção chinesa recente com impacto global.
A metralhadora chinesa sugere um problema adicional: embora as patentes sejam corriqueiramente usadas como medição de inovação, o sistema em vigor está perdendo essa utilidade. Indivíduos e organizações vêm pedindo patentes mais por questões legais – para se defender ou atacar – e menos por critérios técnicos. A propriedade intelectual é essencial para quem inventa, mas o sistema atual de patentes e direitos autorais, em muitos aspectos, está ultrapassado. “Restrições excessivas podem inibir a recombinação de tecnologias”, afirma Alex Mesoudi, da Universidade de Durham, no Reino Unido, antropólogo que estuda a história da inovação tecnológica. Field, da Universidade Santa Clara, também considera as normas restritivas demais. “Não podemos dar a ninguém um monopólio longo demais. Os efeitos negativos se tornam mais fortes que os positivos”, afirma.
Além do sistema de patentes, o próprio acúmulo de conhecimento pode se tornar um problema, até que aprendamos a lidar com ele. Segundo Mesoudi, a humanidade passa hoje mais tempo aprendendo o que já foi feito do que inovando. Ele calculou que, entre 1900 e 2000, aumentou em seis anos (de 32 para 38 anos) a idade em que ganhadores do Prêmio Nobel e cientistas de destaque concluem o trabalho fundamental de suas carreiras. Para Mesoudi, o problema do acúmulo de conhecimento poderá ser enfrentado no futuro com a abertura de novas áreas de especialização. Desde a Idade da Pedra (leia a linha do tempo abaixo), a especialização em determinadas atividades tem sido uma das principais fontes de inovação, com saltos de conhecimento que trazem benefícios para toda a humanidade.
Felizmente, há outros motivos para termos mais expectativas otimistas. O período atual de seca pode ser encarado como nada mais do que a gestação de uma nova era de inovações radicais. Para muitos pesquisadores, a humanidade está prestes a testemunhar um ponto de virada, com inovações importantes em campos como nanotecnologia e inteligência artificial. “Há muita coisa nova, como carros sem motoristas. Eles já existem e só precisam de ajustes de ordem legal”, diz Cowen, da Universidade George Mason. Além disso, toda tecnologia leva períodos longos antes de se transformar em produtos que melhoram nossa qualidade de vida. “Tecnologias precisam de décadas para seu potencial ser todo explorado”, afirma Field.
A eletricidade é um exemplo clássico. Ela levou 40 anos para ter efeitos positivos sobre a produtividade industrial americana. Introduzida em 1890, passou a ser adotada por metade das casas somente na década de 1920. Só começou a empurrar o crescimento econômico na década de 1930. Os computadores pessoais começaram a ser vendidos em 1977, nos Estados Unidos. As melhorias também demoraram a aparecer. Em junho de 1987, o economista Robert Solow, que viria a ganhar o Prêmio Nobel de Economia em outubro daquele ano, escreveu no jornal The New York Times: “Você pode ver a era do computador em todos os lugares, menos nas estatísticas de produtividade”. A preocupação de Solow, apelidada de Paradoxo da Produtividade, só foi sanada anos depois. “Os efeitos do computador na produtividade americana começaram a aparecer nas estatísticas em 1995”, diz Field.
Hoje, sabemos que a inovação tecnológica não é regular nem exponencial. E não segue um padrão cumulativo. Ao longo dos milênios, é possível que os seres humanos e seus ancestrais tenham perdido repetidas vezes o conhecimento que criaram. É o que diz Luke Premo, antropólogo evolucionista da Universidade Washington State, nos Estados Unidos. Há casos históricos: a China perdeu tecnologia naval preciosa no século XV; pelos séculos seguintes, teve de se submeter à superioridade dos europeus nesse campo. Recentemente, surgiu a denúncia de que a Nasa perdeu arquivos preciosos dos anos 1960 e 1970, auge da corrida espacial. Talvez seja essa a natureza da inovação: ela caminha de forma imprevisível. Em momentos anteriores da história, forças ameaçadoras como a Alemanha nazista e a União Soviética foram as catalisadoras da inovação. Ambas impulsionaram as democracias a inovar para se defender e atacar, fosse em guerra aberta, fosse num duelo de outro tipo, como a corrida espacial. Hoje, cada democracia enfrenta inimigos de outro tipo, como os limites orçamentários, barreiras à inovação.
A noção de que períodos de seca criativa dão lugar a períodos inovadores tornou-se uma ideia mais bem elaborada no século XIX. Depois de observar que o enriquecimento das nações ocorria de forma oscilante, e não constante, economistas passaram a tentar explicar o mundo de acordo com ciclos. Um dos pioneiros foi o francês Clément Juglar, um médico que pegou gosto pelas ciências sociais. Ele afirmou, em 1860, que os níveis de emprego e investimento produtivo avançavam e recuavam dentro de períodos de sete a 11 anos. Juglar foi extremamente pretensioso ao tentar encaixar um fenômeno tão complexo numa regrinha matemática. Mas sua tentativa influenciou para sempre governos e economistas. Pensadores diversos propuseram a existência de ciclos de todos os tamanhos. Nos extremos, encontramos os microciclos de três anos sugeridos pelo estatístico britânico Joseph Kitchin, em 1920, e os superciclos com cinco décadas ou mais, defendidos pelo economista soviético Nicolai Kondratiev em 1925 – o pobre Kondratiev foi executado em 1938, por ordem de Stálin (o conceito de que o capitalismo se reergueria sucessivamente das crises não foi recebido com simpatia no governo soviético). Coube ao austríaco Joseph Schumpeter, em 1939, dar à inovação o papel de protagonista dos ciclos de prosperidade e empobrecimento das sociedades. Hoje, embora possamos contar com bonanças futuras, os economistas sérios desistiram de tentar adivinhar o tamanho dessas ondas. “Acredito que inovação humana funcione em ciclos, mas não acho que eles tenham uma periodicidade”, afirma Field.
Não é fácil perceber a ocorrência desses ciclos em países como o Brasil. Ainda nos faltam condições básicas para que as inovações ocorram em grande escala – vastos grupos da população com educação de alta qualidade, mentalidade empresarial nas universidades, valorização da pesquisa nas empresas, continuidade de políticas públicas que incentivem a criação. “A inovação depende de fatores que se expandem e se retraem – ela não para nunca, mas muda de intensidade”, diz o engenheiro e consultor Valter Pieracciani, ex-presidente da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e especialista no tema. “O Brasil ainda está numa fase infantil da construção desse ecossistema. Por isso, é difícil vermos esses altos e baixos.” O período de incubação de uma boa ideia também é vital, e a cultura de longo prazo ainda é claudicante no Brasil. “Isso prejudica qualquer projeto ou ideia inovadora. Empresas e governos mudam seus planos constantemente”, afirma Lourenço Bustani, sócio da consultoria de inovação Mandalah. O país teria muito a ganhar ao se preparar adequadamente para aproveitar um futuro ciclo de grandes inovações. Há muito a fazer até lá.
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