Descobertas precisam ser avaliadas antes de virar notícia
Existe uma percepção popular dos cientistas como sendo os donos da verdade. Quando a ciência diz que uma coisa é desse jeito e não de outro, ou que o que ocorre nesse fenômeno é isso e não aquilo, as pessoas aceitam sem saber por quê. A ciência é uma grande caixa preta. Uma das maiores dificuldades em se levar ciência ao público é explicar como essas “verdades” são obtidas sem transformá-las em dogmas. Afinal, é essa a distinção essencial entre ciência e religião: em ciência, conclusões são obtidas empiricamente, por meio de um processo progressivo de tentativa e erro, enquanto em religião a verdade é revelada por processos não explicáveis, como textos sagrados escritos por divindades sobrenaturais, visões milagrosas ou profecias misteriosas.
É muito mais fácil trazer apenas o resultado das pesquisas científicas, as descobertas feitas por esse ou aquele grupo, pelo Telescópio Espacial ou por um físico teórico, do que explicar como elas são feitas, os detalhes do processo de descoberta. Por exemplo, “astrônomos descobrem que o centro de nossa galáxia esconde um buraco negro gigantesco, com massa três milhões de vezes maiores do que o Sol”. Fantástica mesmo essa descoberta, e parece ser verdadeira em quase todas as galáxias: os buracos negros, esses escoadouros cósmicos de matéria, são bem mais abundantes do que se esperava. Mas por que o público deve acreditar nisso? Qual a diferença entre essa asserção e outra como “hoje vi o fantasma de meu avô se barbeando comigo no espelho do banheiro”?
Na descrição da descoberta científica está implícita a compreensão de como cientistas trabalham: quando cientistas afirmam algo publicamente, é porque essa afirmação passou já por todo um processo de checagem que garante que ela esteja correta. Em princípio, as coisas deveriam funcionar da seguinte forma: um grupo de cientistas faz uma descoberta qualquer. O próximo passo é enviar um artigo explicando a descoberta a uma publicação especializada, lida por outros cientistas que fazem pesquisa nessa área. O editor da publicação envia o artigo para dois ou três especialistas, que dão o seu parecer. Se surgir alguma questão ou erro, o artigo é enviado de volta aos autores. Se os autores concordarem com o parecer dos especialistas, eles consertam o artigo. Se não, têm a liberdade de confrontá-los, com o editor servindo de mediador. Quando o artigo é finalmente aceito para publicação é porque os autores e os especialistas concordam com a versão final. O artigo é então lido por outros cientistas da área. Seu sucesso é medido pelo número de vezes que é citado por outros artigos: um número elevado de citações demonstra o interesse e a aprovação por parte da comunidade científica.
Quando o resultado chega à imprensa, deveria ter passado por esse processo. Pelo menos, seus autores deveriam ter conversado com outros cientistas ou dado seminários sobre seus resultados. Nem sempre isso ocorre. Na euforia da descoberta, cientistas contatam a imprensa e resultados são disseminados antes de serem propriamente checados. Outro problema é que descobertas que envolvem experimentos complexos às vezes não são duplicadas. Portanto, o processo é eficiente mas não perfeito. Afinal, ele é produto de pessoas que, mesmo bem intencionadas, não são infalíveis. Para complicar, existe a tentação da fama, das bolsas de pesquisa, dos prêmios. Vide o exemplo do pesquisador coreano que forjou os resultados sobre clonagem humana. O divulgador de ciência tem que filtrar, dentro do possível, o certo do incerto. Caso contrário, as pessoas não têm como diferenciar entre buracos negros em galáxias e fantasmas em espelhos.
(Texto esclarecedor do Marcelo Gleiser, na Folha de S. Paulo)
Fonte: Criacionismo.com.br
0 comentários:
Postar um comentário